"O paradoxo da educação é que ao ter consciência, passa-se a examinar a sociedade onde se é educado." James Baldwin (PODE CONTER SPOILER) A série, recentemente apresentada no Netflix, "Dear White People" ou em português "Cara gente branca", baseado em um filme lançado em 2014 com o mesmo nome, traz pautas de conteúdo racial, feminismo/empoderamento negro, colorismo e orientação sexual, desprendendo a ideia de hétero normatividade. Com repercussões positivas e negativas nos meios digitais (com assinantes cancelando assinaturas afirmando racismo reverso, pois é, racismo reverso), a linguagem mesclada de humor e drama contextualiza realidades de grupos marginalizados socialmente. Apesar do título apresentar uma relação direta com sujeitos brancos, a série enfatiza as relações entre pessoas negras, que salienta outros temas que não restringem esses indivíduos à objetificação de sofrimento e dor. Mesmo o racismo sendo algo que interpassa todas as relações apresentadas, ponto existente na vida de qualquer pessoa negra, a humanização dos vínculos entre os membros da fraternidade de pessoas negras prevalece no contexto apresentado. Outro ponto relevante, é a singularidade proposta para cada personagem, mostrando a pluralidade dentro de uma realidade parecida e os diferentes pontos de vista dentro dela, sem generalizar esse grupo a esteriótipos recorrentes destinados a negros, como: serem bons atletas, pessoas fortes, barraqueiros, perigosos e ainda, a hiper sexualização em torno da mulher negra. Como na realidade brasileira. em que todas as pessoas negras tem samba no pé, são cantores de pagode e bons de cama. O seriado se passa em uma faculdade chamada Winchester, um local elitizado e majoritariamente composto por alunos brancos. Sam, protagonista principal, expõe o racismo existente na instituição, que vende a ideia de um local de inclusão social e ausente de preconceitos raciais, através de um programa de rádio nomeado "Cara Gente Branca". O enredo tem início com uma problemática festa organizada com o tema "Brack Face" (rosto negro). O termo originado no século XIX nos Estados Unidos, para representação de pessoas brancas pintadas de carvão de cortiça e outras tintas em peças teatrais como pessoas negras, ganhou valor caricato de esteriótipos racistas, que reforçava a estigmatização dos negros. Passados 2 séculos, no entanto, presencia-se na série, novamente, a ridicularização extravagante dos negros. Em contrapartida, Sam cita uma lista de fantasias aceitáveis e não aceitáveis para o Halloween, em que, para as não aceitáveis, ela afirma, "EU", por ser negra. Em um de seus programas, expôs a seguinte questão sobre tal situação. Muitos afirmavam que a programação era racista: "Querida gente branca, nossa, estão tentando mesmo. Eu entendo que ser reduzido a uma generalização baseada em raça é uma experiência nova e devastadora para alguns de vocês, mas eis a diferença: minhas piadas não prendem seus jovens em níveis alarmantes, nem tornam perigoso você andar no próprio bairro, mas as de vocês, sim. Quando zombam ou nos menosprezam, vocês reforçam um sistema existente. Policiais olhando para um negro segurando uma arma não vêem um ser humano, eles vêem uma caricatura. Um preto, um preto, um preto, então NÃO, vocês não podem se fantasiar de nós no Dia das Bruxas e alegar ironia ou ignorância, não podem, não mais, Antes dessa festa, uma pessoa de cor neste campus nem podia pensar na palavra racismo sem ser acusada de ser vitimista [...] Foi fascinante ver o que se escondia abaixo da superfície ao terem uma desculpa para suspender seu liberalismo educado e passivo [...] Winchester, temos um problema" O que dizer? Esse pequeno depoimento reflete inúmeras questões sociais com real necessidade de serem debatidas, mesmo em países diferentes, mas com realidades parecidas. Genocídio negro (63 jovens negros morrem por dia no Brasil, 1 a cada 23 minutos, 2,6 mais que pessoas brancas) e violência policial gratuita, além da constante banalização de protestos que reivindicam maior igualdade social, restringindo esta questão a exagero e a vitimismo. Com personalidades diversas e em diferentes posições sociais, a série também esclarece a sujeição de qualquer pessoa negra a situações de assédio moral por conta de sua cor, mesmo que em diferentes colocações sociais. Em contrapartida, enfatiza questões como a idealização de perfeição absoluta necessária para pessoas negras em suas atividades, como situação que promoveria igualdade, em uma estrutura institucional desigual. Um bom exemplo desse fato é o personagem Troy. Presidente do Grêmio Estudantil e filho do reitor da faculdade. Replicação de um esteriótipo de negro forte e também sujeito às influências machistas, como reprimir muitas de suas emoções em diversas cenas, apesar de maior status entre os demais alunos, encontra-se em situações de opressão racial. " Num bar sombrio fora do campus senta um cliente improvável, nosso primeiro presidente negro, entre a cruz do mundo que exige 110% de pessoas de cor e a espada de um pai intransigente, que quer salvar o filho da desigualdade exigindo que ele seja perfeito. Um sistema que exige perfeição em troca de igualdade é insustentável e injusta. Tão injusta..." ( fala de Lionel, personagem da série) Além dos inúmeros aspectos trabalhados na série, a solidão da mulher negra, sua hiper sexulização e esteriótipos de beleza europeus, são muito bem representados pela personagem Coco. Relacionando-se toda a sua vida em ambientes majoritariamente composto por pessoas brancas, a distinção racial a qual esteve sujeita desde a infância demonstra, por parte da personagem, a necessidade de aceitação e inclusão, em que busca distanciar de um maior engajamento em causas negras. Em um capítulo dedicado a ela, me deparei com duas situações que já ocorreram comigo, e acredito que várias outras pessoas também se identificaram. A primeira, quando ainda criança em uma disputa por bonecas, resta no baú apenas uma boneca, definida como a feia, que por "coincidência" era a única boneca negra. A segunda, após se reunir com amigas para uma festa (todas brancas), restou apenas ela sem a companhia de algum homem. O que dizer? Em um pequeno momento de reflexão, me deparo com as seguintes situações: por que a simbologia do feio retrata tudo o que não é característico da beleza européia, sendo algo inferior, inadequado? Onde as crianças podem encontrar representatividade e estimular autoconfiança e autoestima se não se vêem em nada belo? E o outro ponto, ao escolher apenas suas amigas que tinham características físicas em comum, até que ponto o gosto individual prevaleceu sem a interferência de meios externos que nos ajudam a construir padrões de beleza atrativa? Temos também muitos outros assuntos aos quais não vou entrar a fundo, para não estender demais o post. Dentre esses, as relações interraciais, sendo Gabe, namorado da Sam, uma pessoa branca. Trabalhada na série mostrando que pessoas brancas podem e devem ter envolvimento com movimentos de igualdade social, e como contribuir sem se tornar protagonistas da luta. Além disso, relata situações, frases e termos cotidianos que soam racistas, mesmo sem intenção, e que grande parte das pessoas pratica sem perceber. Um exemplo no seriado é uma das amigas brancas de Coco afirmar a questão do gosto em relações afetivas restringido às pessoas brancas. Por fim, ressalta críticas a corriqueiros argumentos homofóbicos, em que relações homoafetivas são resultados de ausência de religião dentro de casa e/ou uma má criação. E pra finalizar, o colorismo, tendo alguns diálogos que ressaltam o "privilégio da protagonista" sendo uma negra de pele clara que possui maior ascensão que negros mais retintos. Bom meus amores, é isso. Falei demais mas foi necessário hahaha! Finalizo esse post com uma frase sensacional de uma das personagens. "Ser um negro despreocupado também é um ato de revolução."
0 Comments
Leave a Reply. |
|